segunda-feira, 7 de julho de 2008

40 anos de Maio 68. Balanço.















































































Em França, começou a preparar-se a comemoração da efeméride quadrigenária, do Maio de 68, nos primeiros meses deste ano, vindo já da rentrée do ano passado. Ao todo, 150 obras lançadas ao público, para aplacar a sede de conhecimento do fenómeno de há 40 anos.

A revista Lire, deste mês ( Julho e Agosto), aponta o balanço da festa editorial e titula a pequena nota: "sous les pavés...le bide".

Segundo a revista, a publicação que mais vendeu, sobre o assunto, este ano, foi a obra Mai 688 raconté à ceux qui ne l´ont pas vécu, de Patrick Rotman. Total de vendas: 15 mil exemplares!
A obra bem publicitada de Glucksman, pai e filho, vendeu cerca de 7 800 exemplares! Fraca colheita.

Parece que em França, pouca gente deu importância à efeméride.
Ainda assim, as publicações que deram capa ao assunto, foram várias. Como acima se pode ver.

Antes disso, em Junho de 1968, a colecção Quid era inaugurada com um número inteiramente dedicada ao assunto do momento. Trinta anos depois, em 1998, era a vez da revista Marianne, dedicar um número substancial ao assunto.


























Entre todas as publicações periódicas que dedicaram números especiais, à efeméride, destaca-se esta, VSD, com 40 páginas de magníficas fotografias da época. E assim se fecha o ciclo das comemorações editoriais sobre o Maio de 68.



No capítulo dos livros, este parece-me incontournable. O autor foi um dos participantes directos. Antigo tortskista, milita hoje no PS francês...nas instâncias europeias.




domingo, 6 de julho de 2008

O filme do passado


Vasco Pulido Valente, hoje no Público, puxa uma brasa a uma sardinha já debicada: o Museu de Salazar no Vimieiro, por iniciativa local, não oferece perigo de nostalgia maior. É um simples fait-divers, na topologia turística das nossas figuras historicamente passadas. Menos conspícuo que a estátua ao Marquês ou o monumento aos Restauradores de 1640, para situarmos monumentos com alguns metros de distância.

O comérico não sacraliza nenhum herói político”, escreve VPV.

Logo, não há perigo e torna-se por isso mesmo ridículo e despropositado, o barulho da Esquerda, contra o repositório das memórias do Estado Novo, centradas na sua principal figura.

Não obstante, PS, PC, Bloco e Verdes, estão ao rubro com a iniciativa da autarquia local, tendo protestado solenemente na Assembleia da República, casa da democracia que ocupam como o ditador nunca ocupou: com a legitimidade dos perseguidos, vencedores e vingadores.

Vae victis!

Em 1974, logo a seguir ao dia da Revolução, a nova ordem política que suplantou a ditadura particular e instaurou a liberdade geral, não poupou esforços para apagar da foto histórica, a memória dos que a prenderam e manietaram.

Num apanhado fotográfico das primeiras horas da revolução, pode ver-se a libertação dos presos políticos, encafuados em Caxias, pelos algozes da ditadura, pelo delito de exercerem direitos proibidos como sejam a de expressão livre do pensamento contra, ou de reunião política contra o regime de então.

De repente e de um dia para o outro, literalmente, os adeptos do regime deposto, passaram a perseguidos políticos, pelo crime de apoio ao “facismo” e postergados para as fímbrias da irrelevância pública, através da onda política de esquerda que submergiu todas as correntes ideológicas de sinal contrário e que se lhe opunham.

Durante anos a fio, a opinião que por um motivo ou outro, se atrevesse a apontar virtudes de Salazar ou aspectos positivos do regime deposto, pura e simplesmente, tinham expressão nula na comunicação social vigente.

Mesmo as tentativas de comunicação socialmente visível ou audível, deixaram de ter audiência.

A prova, segue nas fotos que ficam.


A primeira, mostra a sequência "em filme", dos acontecimentos segundo a reportagem fotográfica da revista Século Ilustrado, publicada poucos dias depois do 25 de Abril ( de facto, ainda nesse fim de semana).





Na mesma semana, em Paris, festejava-se a libertação e a revolução portuguesa, dando-se já vivas a François Miterrand ( só meia dúzia de anos depois, chegaria ao poder, mas já era alguém para estes portugueses emigrados que escreviam no mesmo cartaz, "justiça aos facistas"! ( foto da Flama de 17.5.1974)
Ao lado, a foto ( Século Ilustrado) do primeiro governo provisório, com destaque para os líderes da oposição de Esquerda, Mário Soares e Álvaro Cunhal. O único elemento provisoriamente neutro de opções ideologicamente marcadas, Adelino Palma Carlos, professor universitário, tinha optado pelo clube secreto das reuniões sob a insígnia dos pedreiros-livres e o general do 25 de Abril, que tinha recebido directamente o poder do líder deposto, Marcelo Caetano, foi também ele deposto a seguir e poucos meses depois.

A Direita portuguesa, entendendo-se por este conceito, aqueles que não comungavam das ideias socialistas ou socializantes de pender marxista, acabou ali mesmo, naqueles dias e depois do dia da Revolução. Foi um ar que se lhe deu a essa Direita que afinal nunca terá existido.






























Tal fenómeno causou na altura viva perplexidade com direito a artigos de jornal e revista, como estes que foram publicados na Flama ( primeira imagem, acima) , dois meses depois do 25 de Abril e este que segue, na Vida Mundial de 5.12.1974, ( assinado por um ensaísta e poeta já falecido-Luís de Miranda Rocha).

A Direita em Portugal, passou, depois disso, a ser representada publicamente, por figuras como as que se apresentam na foto da direita ( Opção de 1976): Freitas do Amaral e Galvão de Melo que poucos anos depois se tornaram apoiantes activos e militantes de...Mário Soares!

























Por estas e por outras, nada há que admirar a atitude pública e generalizada que possibilitem a tais "forças de Esquerda", espectáculos e episódios como estes que seguem.

O primeiro, um autêntico auto de fé, de artistas, a cobrir e a censurar publicamente a figura de Salazar em estátua ( foto da Flama).

O segundo ( Opção de 12.8.1976), a representação pública do espectro político admissível em Portugal, dois anos depois da Revolução: Vital Moreira, pelo PCP; Galvão Teles pelo MES ou partidos de Esquerda em geral e não ligados umbilicalmente ao PCP e um Lucas Pires, minoritariamente ao centro, rigorosamente, como todos o reconhecem agora.

Era este o panorama português, nos anos a seguir a 25 de Abril de 1974. Durante anos a fio, continuou a ser. Uma esquerda marcante, com vários cambiantes e uma direita inexistente, a não ser em ersatz social-democrata.

Como é que alguém se pode admirar que no Portugal do séc. XXI, em 2008, as mesmas forças coligadas ( PS, PCP e Bloco mais Verdes) se oponham à mostra pública, em museu local, da figura que para os mesmos representou o período mais negro da nossa vida comum e política do séx. XX?



























A reabilitação de uma imagem denegrida durante décadas de democracia, pelos supostos adeptos de um pluralismo político que afinal se verifica não respeitarem, ficará sempre prejudicada enquanto essa mesma Esquerda, continuar a vituperar de "facistas", "reaccionários", saudosistas e outros epítetos assassinos da credibilidade politicamente correcta, relativamente a quem se atreve, por mínimo que seja, a evocar o nome do defunto no Vimieiro.
Não para o elevar à honra do altar democrático, em que o mesmo nunca acreditou, mas apenas para avaliar a obra e as palavras e principalmente o seu tempo que também foi o de muitos de nós que ainda o viveram de modo diverso dos adeptos da Esquerda.

No entanto, esta mesma Esquerda, não suporta a mínima tentativa que seja, de recordar seja que aspecto for, do passado do Estado Novo e que saia do âmbito prè-definido e politicamente correcto que o atira para a giena da História. Nada menos do que isso.

E simplesmente isso.

domingo, 4 de maio de 2008

Maio 68 continuado

Em 1968, em Portugal, havia pelo menos duas revistas de actualidade e informação que podiam ter dado notícia dos acontecimentos de França, em Maio de 1968: a Flama, então dirigida por responsáveis ligados ao Patriarcado da Igreja e também o Século Ilustrado, dirigido por Francisco Mata. E ainda a revista Vida Mundial, dirigida por Francisco Eugénio Martins.

Aquelas duas, com formato e conteúdo similares à francesa Paris Match ou à americana Life e Look, não deram a importância fotográficamente devida, ao assunto, porque as revoltas estudantis, em modo de notícia eram, tabu, nesse Portugal dos sessenta, com Censura instituida como controlo da divulgação pública, de notícias que pudessem abalar a ordem e tranquilidade públicas, erigidas em valores supremos da ditadura salazarista.


Não obstante, o corte da censura não era total e quem sabia ler, percebia a importância do fenómeno. Além disso, em Portugal, havia revistas estrangeiras à venda, como por exemplo a Paris Match, com fotos de capa e chamadas de atenção evidente.


A Vida Mundial, em 13.12.1968, com uma capa dedicada aos Direitos do Homem, por ocasião do vigésimo aniversário da respectiva Declaração da ONU, escrevia na secção Semana Internacional, “ Em França, registam-se incidentes em várias cidades. Na Sorbonne, o reitor apela junto de estudantes e professores em favor da serenidade, temendo perder o domínio da situação. Decorre agitada uma digressão de Jacques Sauvageot pelas universidades de província.” E ainda: “ A Europa continua foco de lutas sindicais ou estudantis. Na Itália, as negociações políticas para a constituição do governo entram em crise, perante a intensidade da luta social. Para muitos observadores, a Itália está no limiar de uma crise tão grave como a de Maio em França, desde que os estudantes e os operários jovens consigam quebrar a prudência das centrais sindicais.”




Esta linguagem cifradamente explícita, ficava recolhida em noticiários informativos, sem relevo especial e sem fotos a valerem as outras palavras que faltavam.

Em finais de 1968, porém, a editora d. Quixote, publicava na sua colecção, ainda com uma dezena de volumes, e intitulada Cadernos d.quixote, dedicada a temas de política internacional, uma recolha de textos publicados nas revistas francesas, L´Express, Le Nouvel Observateur, L´événement e Le Monde Diplomatique, contando os aspectos mais importantes dos acontecimentos de Maio, com discurso directo de intervenientes, nas entrevistas que deram na altura.

O volume da d. Quixote, foi publicado em Novembro 1968 e intitulava-se “A revolta de Maio em
França”.























A revista Vida Mundial, no entanto, passados meses, dedicava alguma da atenção das suas páginas, a figuras directamente relacionadas com os acontecimentos de Maio de 1968.
Em 11.4.1969, publicava uma extensa entrevista com André Malraux, o ministro degaullista, que enfrentou a crise de Maio, sob o ponto de vista cultural. Entrevista à alemã, Der Spiegel.
No número de 13.2.1970, uma entrevista com Sartre, à inglesa New Left Review.























Apesar destes artigos em revistas de divulgação ampla, torna-se duvidoso que o regime aprovasse uma revista ou mesmo um jornal com uma foto deste género, publicada na capa da Paris Match, da semana dos acontecimentos de Maio, em Paris.
Em Portugal, apesar de ser Primavera, no caso, marcelista, ainda não se podiam cheirar todas as flores e muito menos as "do mal".

quarta-feira, 30 de abril de 2008

O vermelho e o negro

É nesta Loja que fica o Maio de 1968.

Na memória de quem vivia em 1968, com 12 anos apenas, como era o país Portugal e a França, para onde emigravam os portugueses de então?

É esse o objectivo desta escrita, em memórias já refeitas pelo tempo e condicionadas pela leitura de outros que aí viveram, escreveram e sentiram o ar do tempo de então.

A tarefa será virtualmente impossível, para repor a integralidade do caleidoscópico da vida. Na melhor hipótese, de objectivo alcançável, ficará apenas um apanhado de impressões e imagens que valem palavras. Algumas mais de mil; outras, sem palavras sequer.

Que contexto cultural tínhamos em Portugal, nesse ano?

Censura prévia, de escritos variados. Não era possível, em Portugal, relatar os acontecimentos de Maio de 1968, seguindo o guião dos intelectuais franceses que na altura influenciavam o mundo português, da intelectualidade bem-pensante que se opunha ao regime e até a que lhe era indiferente.

Desde o início que o Maio de 68 se pode identificar ideologicamente com duas ideias básicas: a do marxismo, nas suas variantes e a da anarquia, na sua essência.

Em Maio de 1968, um dos principais mentores da revolta estudantil em França, Daniel Cohn Bendit, saído dos teen, declarava-se abertamente anarquista, por influência do seu irmão mais velho, Gaby, na altura com 32 anos e professor no Liceu Saint Lazare.

Numa entrevista à revista Magazine Littéraire, nº 19, de Julho de 1968, precisamente dedicada ao anarquismo ( de onde vêm? Quem são? O que querem?) Gaby Cohn-Bendit, alarga-se em considerações fantásticas, sobre a ideologia anarquista e a “traição” do partido comunista. Cita os grandes temas do anarquismo, até então, aparentemente morto em França e afinal ressuscitado pelo movimento de Maio, com bandeiras negras, à mostra nas manifestações.















O- Os temas elencados por Gaby, na entrevista, na sequência dos acontecimentos de Maio, são interessantes:

. - A espontaneidade das massas, como evidência, demonstrada pelo facto de as manifestações no Boulevard Saint-Michel, integrarem espontâneos, aos milhares, com bandeiras de quase todas as cores, com predomínio do vermelho e negro.

2.- - O papel das minorias, à margem do jacobinismo ou do leninismo, que são exemplos de minorias organizadas para a tomada do poder. Relevo do verdadeiro papel das minorias que suscitam a atenção das massas maioritárias, para os problemas comuns.

3. -A greve geral, sem limite temporal, contra as correntes sindicais que a apontavam como utópica e irrealista.

4. -A auto-gestão, como modelo utópico de organização produtiva.

5.--As eleições, como fraude democrática e afinal, modo simples de manutenção da ordem ( uma das palavras de ordem escritas nos muros, era "votar, é abdicar" e principalmente "elections, piège à cons"...).

Gaby, perguntado sobre as “leituras” que o levaram à opção ideológica, tem poucas referências, mas de vulto:

Voline e A Revolução Desconhecida; um pouco de Bakunine e um pouco de Kropotkine; antologias de textos anarquistas, por Daniel Guérin e referências esparsas a outros textos de Bakunine, explicativos da revolução russa.

Entre as referências revolucionárias, contava a da Comuna de Paris, a revolução russa, no começo, o anarquismo ucraniano e a Espanha de 1936. Da guerra civil, portanto.

O próprio Edgar Morin, sociólogo, no mesmo número da revista, apresentava as suas conclusões sobre a revolta estudantil de Maio de 68, em França: “ é um renascimento e uma ressurreição do anarquismo”. E passava a explicar a sua visão particular do fenómeno de Maio, nesse mesmo ano de 1968.

A par de um recuo da influência comunista, por causa das revelações do relatório Kroutschev, sobre Estaline, dos acontecimentos na Hungria, o comunismo aparecia cada vez mais como uma burocracia, um poder anónimo e alienante do indivíduo, com um partido cada vez mais afastado do combate revolucionário.

O declínio da força comunista tradicional e a busca de outra coisa, mais radical, não apenas em teoria mas na própria forma de viver, favoreceram o aparecimento do neo-anarquismo, uma espécie de socialismo libertário.

No entanto, quem se manifestava nas residências estudantis, nessa época, eram outros grupos de estudantes. Trotskistas, maoistas e esquerdistas que lançavam os grandes anátemas sobre o Vietnam, Cuba e o Che. Os anarquistas, estavam adormecidos e despertaram com as manifestações.

O neo-anarquismo, segundo Morin, devia mais a Marx, do que o original, do início do século e que por cá, em Portugal, culminou com o regicídio.

Bakunine que admirava Marx, não via correspondência neste. Porém, Lenine, considerava os anarquistas como irmãos, porque o Estado era o inimigo. Lenine, aliás, só o sustentava durante um período transitório- o estritamente necessário à transição para a sociedade comunista e de abundância para todos.

Tal como os anarquistas, Lenine pretendia efectivamente, a supressão do Estado. Logo, a empatia fraternal era imediata e reconhecida, o que se denota no livro de Lenine, O Estado e a Revolução.

Esta proximidade ideológica, em França, vinha de longe. De facto, vinha da Comuna de Paris e vinha de Espanha, do tempo da guerra civil. E vinha também da Catalunha ou Aragão, em que os camponeses, começaram por transformar as igrejas em lugar de reunião , queimaram as notas de banco, por decidirem suprimir o dinheiro como instrumento de trocas, trocando-o pela vontade de tudo partilharem em comum.

Este tipo de discussão, aberta e com citação de nomes, autores, correntes, mesmo a própria palavra comunismo, era simplesmente impensável, no Portugal de Maio de 1968. Prestes a entrar na Primavera marcelista, ainda estava mergulhado nas trevas densas da Censura salazarista que tutelava a expressão pública das ideias e restringia a publicação das mesmas em suporte de papel, dentro de certos parâmetros discricionários e conhecidos dos censores do regime.

Quem lê, mesmo agora, as publicações francesas da época, depara com a riqueza de análise, livre e sem peias ideológicas, das ideias e acontecimentos, próprias de uma democracia sem restrições censórias inadmissíveis. Por cá, não havia paralelo, por medo do comunismo. E no entanto...

Talvez por isso mesmo, o partido comunista francês, pouco teve a ver com o movimento de Maio, em 1968, em França. Já nessa altura, o vento não corria de feição, porque a liberdade de circulação de ideias e opiniões, matou as veleidades do mito. Enquanto por lá morria, por cá, surgiu em toda a força, em Abril de 1974, com os estragos que se fizeram sentir durante décadas.

Alguns comunistas dissidentes, porém, organizaram-se nessa altura em movimentos de massa, em França. Alguns deles de pendor trotskista, uma corrente com grandes simpatias por terras de França.

A Juventude Comunista Revolucionária, de Alain Krivine e Henri Weber ( que em 1988, publicou um livro intitulado Faut-il liquider Mai 68? e este ano republicou-o com um “avant-propos”, para a efeméride e para criticar Sarkozy que declaradamente se propôs liquidar totalmente a herança de Maio de 68) , foi outro desses movimentos do mês de Maio e que se desfez em Junho, depois da prisão de alguns dirigentes e dissensões internas. Tinha como guru, Ernest Mandel, autor de um “Tratado de Economia Marxista”, ainda recomendado como leitura, na Faculdade de Direito de Coimbra, em 1976...

Em França, numa carta publicada no Le Monde da época, um comunista dizia que um certo número de camaradas tinha comparecido às manifestações estudantis e operárias, mas de um modo então incompreensível, por cá: “ os comunistas compareceram, mas o partido não.

Por causa disso, os nomes dos reaccionários, em França, nessa altura, declinavam-se como Marchais, Aragon e outros. Podia perfeitamente juntar-se aos mesmos, Álvaro Cunhal. Mas esse nome, era proibido de publicação em jornais portugueses.













O salazarismo do Estado Novo, situava-se nos antípodas dessas ideias e combatia-as de modo eficaz, no que se refere à possibilidade de expressão pública das mesmas, através da Censura rigorosa de tudo o que se lhe referia directamente.

Mas, paradoxalmente, a proibição da discussão pública dessas ideias, sustentou a mitologia comunista, para além da realidade dos tempos. A discussão ideológica que ocorreu em França, logo que surgiram os problemas que mataram a influência do partido comunista, por cá, foi abafada e o resultado, foi funesto.

Em Abril de 1974, na sequência da Revolução dos Cravos, uma visita a instalações da Escola Técnica da DGS ( antiga PIDE), permitia descobrir um museu dessa Escola Técnica. Entre outras coisas, uma foto publicada na revista Flama, de 10.5.1974, permitia apreciar várias fotos sobre "os conflitos estudantos de 1968 em França". Tal como se pode ver, abaixo:




(Continua)

sábado, 1 de dezembro de 2007

O paralelismo

Na Idade Média, os procuradores do Rei, antepassados do Ministério Público, tinham como incumbência específica, uma dupla função de defensores dos interesses do Rei e dos da Fazenda, com uma atribuição crescente de representações de interesses sociais.

Em Portugal, no início do século XX, o Ministério Público, tinha como atribuições, a representação da Sociedade nos tribunais, a defesa da propriedade nacional, a acusação e a perseguição de crimes, a cobrança coerciva de créditos do Estado e a vigilância escrupulosa e permanente da aplicação das leis e ainda a de aconselhar o Governo. – Decreto de 24.10.1901.

A Constituição do Estado Novo, acrescentou a isto a representação do Estado nos tribunais.

A magistratura do MP, no tempo do Estado Novo, era amovível, responsável, organizada hierarquicamente, dependendo de modo estreito, do Ministro da Justiça e orientada directamente pelo PGR.

Não obstante esta dependência, hierarquicamente rígida, do Governo, o MP era ainda assim, considerado uma magistratura paralela à dos juízes. Tal e qual. O artigo 172º do Estatuto Judiciário consagrava que “a magistratura do Ministério Público é paralela à magistratura judicial e dela independente, não podendo os representantes do Ministério Público receber ordens ou censura dos juízes.”

No artigo 188º do mesmo Estatuto Judiciário, do início dos anos sessenta e actualizado em 1971: “No desempenho da função é vedado aos magistrados do MP interferir em assuntos pertencentes à administração do Estado ou das autarquias e invadir as atribuições das autoridades administrativas.”

Os magistrados do MP, antes de 25 de Abril e ainda um par de anos a seguir, eram uma magistratura vestibular da judicial. Aprendiam, como agentes do MP, o ofício e a nobre arte da função de julgar, a que acediam depois de prestarem provas públicas. Os juízes, nessa altura, antes de o serem, já tinham sido magistrados do MP…e podiam voltar a ser, aliás, num outro grau hierárquico. Tal como hoje, em que os procuradores gerais adjuntos, podem aceder aos Supremos tribunais.

Depois de 25 de Abril, com a Constituição de 1976, o MP assumiu um estatuto semelhante ao dos juízes, no que se refere à inamovibilidade do cargo, à gestão dos quadros e carreiras e ainda a aspectos ligados ao exercício da profissão, no que a liga ao funcionalismo público: o apoio do Estado na saúde, doença e prestações sociais. Este vínculo, mantém-se actualmente, como não podia deixar de ser, em relação a quem depende do Orçamento do Estado para ganhar a vida.

A ideia básica, fundamental , do actual estatuto do MP, é simples de enunciar: garantir da melhor forma possível, a aplicação do preceito constitucional da igualdade de todos os cidadãos, perante a lei, - mas mesmo todos, incluindo por isso os que fazem parte dos poderes do Estado.

Os casos mediáticos, dos últimos anos, envolvendo pessoas desses poderes, conferem uma imagem precisa da necessidade estrita de um MP efectivamente autónomo do poder político e também dos tribunais que decidem e dizem o Direito, administrando Justiça. A independência da magistratura judicial, depende assim e em larguíssima medida, do grau de autonomia do MP. Por motivos óbvios e que no entanto, muitos juízes, de recente geração, se recusam a ver e a admitir.

A ideia do MP, ao longo dos anos que se seguiram à Constituição de 1976 , foi sedimentando um paradigma que tem sido o nosso.

Em 1984, com a saída do PGR Arala Chaves e a entrada de Cunha Rodrigues era assim definido:

O espírito e a missão do MP não são mais os de um bloco fundado numa rígida vinculação hierárquica até ao Poder Político para levar suspeitosamente até aos Tribunais os interesses ou as opiniões deste Poder. (…) Daí a judicialidade do Ministério Público, reconhecida na doutrina moderna – daí o fundamento para reconhecer que o MP independente do Poder Político e apenas obrigado a pautar-se por critérios de legalidade estrita, tem as características de órgão de justiça. Não são privilégios que estão em causa, mas direitos inerentes à função. “ Conselheiro Arala Chaves, já falecido, antigo PGR, por ocasião do almoço de homenagem na sua despedida do cargo, em 25.5.1984.

Também o presidente da República de então, dizia:

E para que as magistraturas judicial e do Ministério Público pudessem, na realidade, assumir-se como garantes da independência dos tribunais, a Constituição conferiu-lhes o estatuto de autonomia e de independência, por forma a que a realização da justiça não pudesse ser condicionada, em circunstância alguma, por critérios de conveniência ou de interesses políticos”. Ramalho Eanes, presidente da República, por ocasião da tomada de posse de Cunha Rodrigues, como PGR, em 11.9.1984.

Cunha Rodrigues, não disse outra coisa, durante os anos em que esteve à frente da PGR. Apesar de tudo, definiu sempre, dignificando-o, em entrevistas e discursos vários, o Estatuto da magistratura do MP.

Tendo estas ideias presentes, que sentido faz, actualmente, a querela judiciária que se estabelece para saber se o MP faz parte da Administração Pública, ou pode mesmo ser funcionalizado, ao contrário dos juízes?

A memória de certos indivíduos é muito curta. Principalmente, quando se assumem como guardiães dos reposteiros do Poder político. Seria bom que fossem apontados como tal, para que o povo perceba onde estão, o que pretendem e de onde vieram, afinal de contas. Em nome da transparência democrática e para que não continuem a enganar incautos. São sempre os mesmos: hoje defendem o contrário do que ontem afirmavam como a verdade indiscutível; amanhã, não se sabe. Refiro-me a Vital Moreira, claro.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O MP é um órgão judicial?

Retirado daqui, fica outro excerto sobre a natureza do Ministério Público português, num momento em que se discute em blogs, como o In Verbis, o poder judicial,visto, maioritariamente, pelos juízes.
A noção que se obtém das leituras de certas intervenções de juízes é a de uma patente hostilidade, acompanhada de algumas aleivosias, para com a magistratura do MP e uma reivindicação de exclusividade de pertença ao poder judicial, confundido em pleno com o exercício jurisdicional, para afastamento dos "rivais".

Nem pelo facto de a Constituição inserir no Título V, relativo aos tribunais, os artigos sobre os estatutos dos juízes e também os do ministério público, isso serve para desarmar os argumentos, dos secessionistas do exclusivo poder judicial.

As razões para que tal não seja assim, podem ler-se com os seguintes argumentos:

O Ministério Público é o órgão do Estado encarregado de representar o Estado, exercer a acção penal e defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar (artigo 1º da Lei Orgânica do Ministério Público).

Em Portugal, o Ministério Público caracteriza-se pelo seu poliformismo essencial.

As atribuições do Ministério Público distribuem-se por diversos planos, em que se inclui o exercício da acção penal, compreendendo a direcção da investigação criminal, a promoção da legalidade, a representação do Estado, de incapazes e de incertos e o exercício de funções consultivas.

A estes sinais identificadores, junta-se o da sua unidade organizativa. Salvo os tribunais militares, o Ministério Público está estruturado uniformemente em todas as jurisdições.

A história da instituição evidencia que se trata de um modelo com raízes muito antigas, cuja evolução se realizou principalmente segundo as exigências da justiça e da administração do país.

O Ministério Público goza, hoje, de autonomia orgânica e funcional, estando excluída a interferência de outros poderes na sua acção concreta, exceptuados os casos em que actua como advogado do Estado, isto é, quando defende e sustenta interesses privados ou específicos do Estado.

O problema da natureza do Ministério Público tem sido principalmente elaborado a partir das suas atribuições no processo penal.

São estas atribuições que lhe conferem um estatuto de poder, já pelas faculdades e iniciativas de coerção que lhes são próprias, já pelas características processualmente cominatórias do acto de acusação. Foram também elas que o deslocaram para áreas próximas de um dos clássicos poderes do Estado - o executivo - a cuja tutela pertence a segurança e a ordem pública.

Mas daqui se vê que não é possível falar da natureza do Ministério Público sem abordar, ainda que perfunctoriamente, a questão do seu lugar constitucional.

Historicamente, as razões expendidas a favor da dependência governamental do Ministério Público radicaram em dois principais argumentos: o de o Ministério Público assumir o papel de parte na estrutura dialéctica da decisão e de ser necessário garantir um equilíbrio que ficaria em causa se lhe fosse atribuída autonomia; e o de uma eventual autonomia poder tornar o governo "perigosamente irresponsável" perante a nação num domínio tão importante como é o da política criminal.

Descobre-se, neste enunciado, uma argumentação que aceita, como pressuposto, a qualificação do Ministério Público como parte para, depois, se perturbar perante a dificuldade da sua inserção em um dos dois poderes do Estado referenciáveis - o executivo e o judicial. E como a integração no poder judicial de uma parte representaria uma contradição nos termos, a resposta torna-se aparentemente fácil.

No plano da responsabilidade política, os argumentos são também histórica e geograficamente referenciados.

As interferências políticas nos processos criminais eram fáceis no tempo em que o poder se organizava de uma forma homogénea e a pluralidade social era lábil. Então, era possível preparar intervenções no segredo dos gabinetes, fazê-las aceitar pelas vários escalões de uma hierarquia e manter tudo no desconhecimento do cidadão comum.

Mas a realização da política criminal através do processo tornar-se-á cada vez mais delicada numa época dominada pelo mito da transparência, cujos reflexos estão constantemente presentes nos jogos de poder e na formação da opinião pública.

De resto, o espaço exposto àquelas interferências nunca foi grande nos sistemas que preconizam o exercício obrigatório da acção penal. Contrariamente ao princípio de oportunidade, que possibilita uma selecção de casos e o estabelecimento de prioridades, o princípio de legalidade deixa ao Ministério Público uma margem muito reduzida de discricionariedade.

O problema da natureza do Ministério Público está, hoje, por estes motivos, mais descomprometido com razões que são, na sua rigorosa acepção política, de Estado.

Elaborada numa época em que já se estava longe de uma concepção rígida da organização do Estado, a Constituição da República estabelece um princípio de separação e interdependência de poderes e define o Ministério Público como órgão integrado nos tribunais e dotado de autonomia e estatuto próprio.

Este estatuto tem de obedecer ao programa fixado pela própria Constituição, em que se inscreve o facto de a Procuradoria-Geral da República - e não o Governo - ser o órgão superior do Ministério Público.

Está-se, pois, perante um regime que exclui a dependência governamental e rejeita, de igual modo, o paradigma que dominava as representações tradicionais sobre a posição do Ministério Público.

Um órgão autónomo, constitucionalmente sistematizado no título relativo aos tribunais, com regras de organização, estatuto e funcionamento fundados em princípios que caracterizam uma magistratura, prosseguindo fins que condicionam a intervenção jurisdicional ou visam conformá-la com os níveis de normatividade a que está sujeita, não pode deixar de ser um órgão do poder judicial.

Mas, com isto, não se esgota a questão.

Organizando-se formalmente o Ministério Público como instituição judiciária e constitucionalmente integrada nos tribunais, não ficam, mesmo assim, resolvidas todas as questões de qualificação que as suas atribuições podem justificar.

Com efeito, a própria Constituição admite (artigo 219º ) que, juntamente com as competências que lhe são concretamente cometidas, pode o Ministério Público ser incumbido da defesa de outros interesses determinados por lei.

É certo que a circunstância de o Ministério Público estar organicamente integrado nos tribunais e o quadro de competências que a Constituição expressamente enuncia parecem impor que aqueles interesses devam possuir uma relação de afinidade com o enquadramento e os fins institucionais do Ministério Público. Não seria, porventura, constitucional que a lei cometesse ao Ministério Público uma função puramente administrativa que nada tivesse a ver com a lei e a administração da justiça.

Mas a plasticidade daquele princípios é manifesta e deixa em aberto a possibilidade do alargamento de atribuições do Ministério Público que, já hoje, ultrapassa o núcleo de funções que são exercidas perante as jurisdições.

Nesta conformidade, parece oferecer-se à partida como desnecessária e estéril qualquer argumentação que pretendesse demonstrar a natureza jurisdicional das funções exercidas pelo Ministério Público.

Na acepção técnico-jurídica de jurisdição, isto é, como actividade que define, com força de caso julgado, o direito aplicável ao caso, o Ministério Público não é um órgão jurisdicional.

Mas são judiciais as suas atribuições. Isto é, realizam-se segundo princípios, fins, objecto, organização e estatuto próprios do poder judicial.

A esta construção, recolhida pelo legislador constitucional, não foi certamente estranha a circunstância de as atribuições do Ministério Público se concretizarem, por um lado, numa função de iniciativa condicionante da intervenção dos tribunais em áreas importantes de afirmação da soberania e de manutenção do Estado de direito, e, por outro, constituírem um instrumento de auto-limitação do poder judicial essencial num Estado fundado na legalidade.

Verifica-se, por outro lado, existir uma recíproca influência entre as aquisições de índole constitucional e as que foram sendo adoptadas no processo penal.

Já anteriormente a estas reformas se podia entender, com Figueiredo Dias, que "a posição do Ministério Público no processo penal se define em concordância com os princípios aplicáveis no domínio da administração da justiça; trata-se de um órgão autónomo desta administração - autónomo, no sentido de independente dos tribunais, embora com eles material e funcionalmente conexionado, e dotado de uma estrutura e organização próprias - cuja actividade se não deixa reconduzir exactamente nem à "função executiva comum" nem à "função judicial".

O Ministério Público está hoje organizado como uma magistratura processualmente autónoma em dois sentidos: no da não ingerência do poder político no exercício concreto da acção penal e na concepção do Ministério Público como magistratura própria, orientada por um princípio da separação e paralelismo relativamente à judicatura.

Esta concepção é reafirmada em vários passos pelo Código de Processo Penal: ao elaborar o princípio de objectividade (artigo 53º), na aplicação aos magistrados do Ministério Público das disposições relativas a impedimentos, recusas e escusas do juiz (artigo 54º), na obrigação do Ministério Público investigar à charge e à décharge (artigo 262º), na exclusão do Ministério Público das regras sobre conduta de advogados e defensores (artigo 326º) e no reconhecimento de legitimidade para recorrer no exclusivo interesse do arguido (artigo 401º).

Encontrado o conceito de órgão de justiça como aquele que melhor exprime a posição do Ministério Público no processo penal e também a sua natureza, ficam por equacionar os problemas de qualificação que resultam de outras atribuições que, não sendo tão determinantes, têm, pela sua variedade e amplitude, um potencial considerável de identificação.

Se percorrermos estas atribuições, acabaremos por concluir que todas se reconduzem à realização da justiça ou à promoção e defesa da legalidade e, em qualquer caso, através de uma forma vinculada e sujeita a regras estritas de estatuto.

É certo que a configuração interna da actividade que concretiza aquelas atribuições é materialmente administrativa, se, por oposição, assim devermos classificar uma actividade que não visa a declaração do direito ao caso.

Mas não é isto o fundamental para determinar ou excluir a natureza judicial de uma actividade.

Se despojarmos a actividade dos tribunais da sua intencionalidade final, observamos que ela tem um conteúdo e uma ordenação essencialmente administrativos, não se distinguindo, na maioria dos actos e das fórmulas, da que é realizada pelo Ministério Público. E, de resto, em determinados casos nem sequer pode afirmar-se que a actividade dos tribunais tem por finalidade a declaração do direito.

O que é decisivo na actividade dos tribunal e na actividade do Ministério Público é o plano de actuação e os fins a que uma e outra estão pré-ordenadas e se dirigem.

Ora, tanto o plano como os fins de uma e outra actividade são intrinsecamente judiciais, porque, estando sujeitos a um estatuto definido para o poder judicial, operam (melhor, cooperam), numa relação de necessidade, com a realização última das atribuições dos tribunais.

Concluiremos, assim, no sentido de que o Ministério Público é um órgão judicial, integrado, com autonomia, no poder judicial, embora dotado de atribuições que não são materialmente jurisdicionais nem se confinam às exercidas pelos tribunais.