Vasco Pulido Valente, hoje no Público, puxa uma brasa a uma sardinha já debicada: o Museu de Salazar no Vimieiro, por iniciativa local, não oferece perigo de nostalgia maior. É um simples fait-divers, na topologia turística das nossas figuras historicamente passadas. Menos conspícuo que a estátua ao Marquês ou o monumento aos Restauradores de 1640, para situarmos monumentos com alguns metros de distância.
“O comérico não sacraliza nenhum herói político”, escreve VPV.
Logo, não há perigo e torna-se por isso mesmo ridículo e despropositado, o barulho da Esquerda, contra o repositório das memórias do Estado Novo, centradas na sua principal figura.
Não obstante, PS, PC, Bloco e Verdes, estão ao rubro com a iniciativa da autarquia local, tendo protestado solenemente na Assembleia da República, casa da democracia que ocupam como o ditador nunca ocupou: com a legitimidade dos perseguidos, vencedores e vingadores.
Vae victis!
Em 1974, logo a seguir ao dia da Revolução, a nova ordem política que suplantou a ditadura particular e instaurou a liberdade geral, não poupou esforços para apagar da foto histórica, a memória dos que a prenderam e manietaram.
Num apanhado fotográfico das primeiras horas da revolução, pode ver-se a libertação dos presos políticos, encafuados em Caxias, pelos algozes da ditadura, pelo delito de exercerem direitos proibidos como sejam a de expressão livre do pensamento contra, ou de reunião política contra o regime de então.
De repente e de um dia para o outro, literalmente, os adeptos do regime deposto, passaram a perseguidos políticos, pelo crime de apoio ao “facismo” e postergados para as fímbrias da irrelevância pública, através da onda política de esquerda que submergiu todas as correntes ideológicas de sinal contrário e que se lhe opunham.
Durante anos a fio, a opinião que por um motivo ou outro, se atrevesse a apontar virtudes de Salazar ou aspectos positivos do regime deposto, pura e simplesmente, tinham expressão nula na comunicação social vigente.
Mesmo as tentativas de comunicação socialmente visível ou audível, deixaram de ter audiência.
A prova, segue nas fotos que ficam.
A primeira, mostra a sequência "em filme", dos acontecimentos segundo a reportagem fotográfica da revista Século Ilustrado, publicada poucos dias depois do 25 de Abril ( de facto, ainda nesse fim de semana).

Na mesma semana, em Paris, festejava-se a libertação e a revolução portuguesa, dando-se já vivas a François Miterrand ( só meia dúzia de anos depois, chegaria ao poder, mas já era alguém para estes portugueses emigrados que escreviam no mesmo cartaz, "justiça aos facistas"! ( foto da Flama de 17.5.1974)
Ao lado, a foto ( Século Ilustrado) do primeiro governo provisório, com destaque para os líderes da oposição de Esquerda, Mário Soares e Álvaro Cunhal. O único elemento provisoriamente neutro de opções ideologicamente marcadas, Adelino Palma Carlos, professor universitário, tinha optado pelo clube secreto das reuniões sob a insígnia dos pedreiros-livres e o general do 25 de Abril, que tinha recebido directamente o poder do líder deposto, Marcelo Caetano, foi também ele deposto a seguir e poucos meses depois.
A Direita portuguesa, entendendo-se por este conceito, aqueles que não comungavam das ideias socialistas ou socializantes de pender marxista, acabou ali mesmo, naqueles dias e depois do dia da Revolução. Foi um ar que se lhe deu a essa Direita que afinal nunca terá existido.

Tal fenómeno causou na altura viva perplexidade com direito a artigos de jornal e revista, como estes que foram publicados na
Flama ( primeira imagem, acima) , dois meses depois do 25 de Abril e este que segue, na
Vida Mundial de 5.12.1974, ( assinado por um ensaísta e poeta já falecido-Luís de Miranda Rocha).
A Direita em Portugal, passou, depois disso, a ser representada publicamente, por figuras como as que se apresentam na foto da direita ( Opção de 1976): Freitas do Amaral e Galvão de Melo que poucos anos depois se tornaram apoiantes activos e militantes de...Mário Soares!


Por estas e por outras, nada há que admirar a atitude pública e generalizada que possibilitem a tais "forças de Esquerda", espectáculos e episódios como estes que seguem.
O primeiro, um autêntico auto de fé, de artistas, a cobrir e a censurar publicamente a figura de Salazar em estátua ( foto da Flama).
O segundo ( Opção de 12.8.1976), a representação pública do espectro político admissível em Portugal, dois anos depois da Revolução: Vital Moreira, pelo PCP; Galvão Teles pelo MES ou partidos de Esquerda em geral e não ligados umbilicalmente ao PCP e um Lucas Pires, minoritariamente ao centro, rigorosamente, como todos o reconhecem agora.
Era este o panorama português, nos anos a seguir a 25 de Abril de 1974. Durante anos a fio, continuou a ser. Uma esquerda marcante, com vários cambiantes e uma direita inexistente, a não ser em ersatz social-democrata.
Como é que alguém se pode admirar que no Portugal do séc. XXI, em 2008, as mesmas forças coligadas ( PS, PCP e Bloco mais Verdes) se oponham à mostra pública, em museu local, da figura que para os mesmos representou o período mais negro da nossa vida comum e política do séx. XX?

A reabilitação de uma imagem denegrida durante décadas de democracia, pelos supostos adeptos de um pluralismo político que afinal se verifica não respeitarem, ficará sempre prejudicada enquanto essa mesma Esquerda, continuar a vituperar de "facistas", "reaccionários", saudosistas e outros epítetos assassinos da credibilidade politicamente correcta, relativamente a quem se atreve, por mínimo que seja, a evocar o nome do defunto no Vimieiro.
Não para o elevar à honra do altar democrático, em que o mesmo nunca acreditou, mas apenas para avaliar a obra e as palavras e principalmente o seu tempo que também foi o de muitos de nós que ainda o viveram de modo diverso dos adeptos da Esquerda.
No entanto, esta mesma Esquerda, não suporta a mínima tentativa que seja, de recordar seja que aspecto for, do passado do Estado Novo e que saia do âmbito prè-definido e politicamente correcto que o atira para a giena da História. Nada menos do que isso.
E simplesmente isso.