quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Dos Grilos e outros saltões

A História recente de Portugal, não começou no dia 25 de Abril de 1974. Antes disso, houve 48 anos de autoritarismo salazarista/caetanista, em regime corporativo e antes daquilo, houve a I República que sucedeu à Monarquia.

É importante conhecer a História recente, para compreender algumas ideias e posições de seita de alguns capelistas, com destaque para o capelista dos Grilos. Para tal, o blog Do Cachimbo de Magritte, citado pelo Cocanha, dá-nos uma pequena ajuda:


(…) A monarquia em 1908 era um regime constitucional. Tinha uma Constituição, a velhinha Carta de quase oitenta anos, um Parlamento com duas câmaras, eleições nacionais para a câmara baixa, deputados republicanos desde 1878, eleições municipais que foram ganhas pelo Partido Republicano no Porto em 1906 e em Lisboa em 1908 e, regra geral, a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias reconhecidos na maioria das monarquias constitucionais contemporâneas, como por exemplo a Inglaterra. Havia censura, que era usada sem grande êxito para impedir ataques ao regime monárquico e ao catolicismo oficial, e durante alguns meses João Franco governou sem o Parlamento, "ditadura" a que um apavorado D. Manuel II pôs termo assim que chegou ao trono. O chefe de Estado não era obviamente eleito, como não é hoje no Reino Unido, na Holanda, na Bélgica, na Dinamarca, na Noruega, na Suécia, em Espanha, no Canadá e na Austrália, essas tiranias onde os gays e o aborto são reprimidos.

Estranhamente, a I República não alterou muito isto. O chefe de Estado era agora eleito, mas pelos deputados. Nada de sufrágio directo para a Presidência. Era o que faltava, entregar à malta a eleição do mais alto magistrado da nação... O direito de voto, que na monarquia chegou a abranger um universo de 950 mil eleitores, mesmo com a restrição censitária, foi reduzido em 1911 a 400 mil eleitores, os chefes de família que fossem civis e soubessem ler e escrever. Por outras palavras, foi negado aos militares, aos analfabetos e às mulheres. Aos militares por medo da sua politização, deliciosa ironia num regime que tinha nascido de uma revolução armada, e às mulheres e aos analfabetos por medo da influência da Igreja sobre os espíritos simples. Na prática, o eleitorado da I República estava concentrado nas grandes cidades, onde, como vimos, o Partido Republicano já ganhava eleições durante a monarquia.

De resto, o amor dos republicanos pela liberdade de opinião é bem conhecido. À falta de monárquicos convictos, que rapidamente se volatilizaram, a I República elegeu como inimigo programático os católicos e, muito em particular, o clero. Logo no próprio 5 de Outubro, elementos da Carbonária tomaram de assalto as casas dos jesuítas em Arroios e Campolide e mataram a tiro meia dúzia de padres, um deles o confessor da Rainha. Outros conventos de freiras e frades foram invadidos, sem estragos de maior a não ser a famosa medição de cabeças clericais para provar as semelhanças fisionómicas entre a padralhada e os criminosos de delito comum. Poucos meses depois, as ordens religiosas eram extintas, com as consequências que se adivinham na asssistência e no ensino, e todos os bens da Igreja nacionalizados, façanha a que Chávez ainda não se atreveu na Venezuela. Para gerir missas, funerais, procissões, etc., os republicanos puseram à frente de cada paróquia uma "comissão de culto" com gente sua, que mandava no pároco. A isto chamaram "lei da separação entre a Igreja e o Estado", o que soa contraditório e é, mas lhes dava também a possibilidade legal de tratar os padres e os bispos como funcionários públicos. Não contentes, restauraram o beneplácito régio medieval, impondo o exame prévio a todos os documentos públicos dos bispos ou da Santa Sé. Como se recusassem a acatar esta e outras ingerências, em meados de 1912 todos os bispos de Portugal continental (Braga, Porto, Bragança, Lamego, Viseu, Coimbra, Guarda, Portalegre, Lisboa, Évora, Beja e Faro) tinham sido depostos ou expulsos das suas dioceses, em certos casos pela violência. A mesma violência com que a Carbonária de Santarém destruiu, à bomba, a primeira Capelinha das Aparições na Cova da Iria, assim que o obscurantista fenómeno teve o sucesso popular que se sabe.

Nada que se compare, porém, à selvajaria que os próprios republicanos empregavam fervorosamente uns contra os outros. Ao melhor estilo revolucionário, a I República viveu mergulhada em dissidências, lutas entre facções e crises políticas que se resolviam à pistola e à bengalada. Numa das purgas, a célebre "noite sangrenta" de 19 de Outubro de 1921, foi assasinado Machado dos Santos, o líder dos revoltosos do 5 de Outubro na Rotunda, por um grupo de magalas e carbonários que percorriam Lisboa liquidando os seus adversários, acção higiénica a que não escapou o próprio chefe do Governo em exercício, António Granjo.

As coisas tomavam um aspecto por vezes burlesco. Em 1915, caindo outra vez o executivo, o chefe de fila João Chagas, então no Porto, foi chamado a Lisboa para negociar com Afonso Costa a formação de um governo de unidade nacional. As conversações demoraram várias semanas a iniciar-se devido a duas circunstâncias singelas. Chagas sofrera um atentado no comboio, pela mão de um deputado rival que lhe dera um tiro num olho e seria depois morto à pancada no Entroncamento, e Afonso Costa tinha fracturado o crânio ao saltar de um eléctrico em andamento quando se julgou alvo de outro atentado. Naturalmente, o ministério só pôde constituir-se depois de ambos recuperarem das respectivas mazelas.

1 comentário:

MARIA disse...

É um novo blog José ?
Parabéns. Começa de forma excelente.
Ainda voltarei a este post.
À Loja, sempre !
Um beijinho da
Maria