segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O jacobinismo assenta-lhes tão bem

É verdade que há uma herança greco-latina como factor de unidade, mas não se pode dar o salto do século de Augusto - a Roma que a UE gosta - para as Luzes - a filosofia que a UE gosta -, porque foi exactamente neste intervalo que a Europa se fez e essa Europa foi feita por uma religião que veio do Oriente, o cristianismo. Paulo trouxe o cristianismo do mundo dos judeus para o dos gentios, o que significou primeiro para os gregos e a filosofia grega, e depois para os romanos, para o direito romano. Desde que Constantino fez do cristianismo a religião do império, da Irlanda à Moscóvia, foi a religião que fez a Europa e essa religião defrontou desde cedo uma religião combatente, o islão. - JPP, Abrupto


O Governo quer mudar a assistência hospitalar nos hospitais do Estado. O sistema actual parece ter inconvenientes para a paz pública. Num certo sentido, com esta medida, observa-se uma violação do princípio de separação da sociedade civil e das religiões: o Estado escusa-se a exercer qualquer poder religioso e as Igrejas qualquer poder político- ou seja, o Estado, ao invés de se cingir à esfera temporal, parece querer “espiritualizar-se”, impondo a anti-religiosidade à sociedade. Isto acontece porque usa o seu poder político para restringir, de uma forma incompreensível, o exercício da missão religiosa, considerando-a supersticiosamente como uma ameaça.
O Estado é laico e não tem sentimento religioso, mas condicionar por preconceito a assistência espiritual de quem, por força da doença, está retido numa cama hospitalar pública é, em si mesmo, um sinal de intolerância
.” Pedro Afonso, Público de 1.10.07

Daquele excerto de um artigo de Pacheco Pereira, para esta crónica de hoje, no Público, assinada por Pedro Afonso, médico psiquiatra conhecedor do meio hospitalar, há um paralelo constante que se reflecte no modo de pensar e agir na sociedade actual.
Os capelistas anti-clericais, seja o dos Grilos, seja a dos enfados jornalísticos, sejam mesmo os que não compreendem a natureza das coisas, afirmando-se sabichões das comichões, são os saltões do costume: tudo o que lembre o período de séculos de influência da Igreja católica apostólica romana, é visto como uma ameaça ao laicismo que convocam e provocam.
Os herdeiros da ideologia de Afonso Costa, estão vivos e actuantes.

Afinal, os jacobinos, são os antigos esquerdistas, antes de o termo ter sido cunhado. Vindos da Revolução francesa terminaram o seu breve reinado de terror, num Termidor que normalizou e conformou a sociedade e conduziu a Napoleão.
Os actuais jacobinos, são os novos revolucionários do costume e contestatários arreigados da tradição. No século propício, opunham-se à monarquia, reivindicando a república, por meios violentos. Hoje, sem grandes horizontes, depois da derrota da ideologia que herdaram, definham a reivindicar bandeiras avulsa.
O anti-clericalismo, é uma delas. Atacar igrejas, padres e símbolos de crença religiosa, é a nova bandeira do jacobinismo, à falta de outras e depois de falhar a ideia global de criação do Homem Novo. A ideia, por isso mesmo, é velha.
Michelet, dizia que alguns indivíduos já nascem jacobinos. Está-lhes no sangue, a atitude permanente de se arvorarem em sentinelas da virtude democrática, à sua maneira e que passa pela postura radical da destruição do adversário. Antes, pela perseguição e morte física, agora, depois da amenização de costumes, pela perseguição política, perseguida, no entanto, com o mesmo afã de intolerância radical.
Se procurarmos com atenção, nos mais activos jacobinos da época presente, encontraremos os mais activos perseguidores de inimigos de classe, do antigamente. A “burguesia”, conceito espúrio e ensombrado por séculos de equívocos, concentrava em si, o ódio de classe. Acabada a burguesia, por falência ideológica, subsiste o poder espiritual como inimigo inventado.
Os jacobinos de hoje, são os activistas de mão no ar e murro na mesa, de ontem. Sempre contra um putativo poder que lhes faz frente ao totalitarismo e agora com um alibi ideológico, depois de terem perdido o paradigma.
Hoje, mesmo com assento seguro no poder político, não esquecem o inimigo imaginário de sempre e que os motivou para a luta radical.
Não acreditam? Leiam aqui.

Assembleia Constituinte, 16 de Julho de 1975...

«Vital Moreira (PCP) - Se os projectos do PPD e do CDS fossem aprovados e promulgados seria impossível julgar em tribunal revolucionário os responsáveis pelo 11 de Março, o que está anunciado pelo Conselho de Revolução desde 12 de Março. E o mesmo acontece, estranhamente, com o projecto do PS.
(Apupos. Aplausos)
Cabe aqui referir, entretanto, que essa posição não se limita aos projectos do PPD, do CDS e do PS. Ainda recentemente o grémio dos advogados, em reunião realizada em Coimbra, tomava a mesma posição, ao mesmo tempo que se preocupava com os réditos da profissão e com os vencimentos dos seus empregados, sem deixar de rejeitar uma moção de apoio ao Conselho da Revolução e de aprovar uma moção de apoio à intervenção do deputado António Arnault feita aqui há dias.
Retomemos o fio. Se os projectos do CDS, do PPD (e também, estranhamente, do PS) fossem aprovados e promulgados...
Vozes: - Não apoiado!
(Manifestações nas galerias)
Vital Moreira: -... Eu limito-me a pedir à Mesa que me seja descontado o tempo das interrupções.
Presidente: - O público não pode intervir, senão terei que mandar evacuar as galerias. Será descontado o tempo correspondente às interrupções.
V.M.: - Se os projectos do CDS, do PPD (e também, estranhamente, do PS) fossem aprovados e promulgados, não poderiam haver mais saneamentos, quer no aparelho de Estado, quer em instituições privadas. Se os projectos do PPD, do CDS (e também, estranhamente, do PS) fossem aprovados e promulgados...
Vozes: - Muito bem!
(Vozes discordantes)

V.M.: - ...Nas próximas eleições já teríamos a votar e a candidatar-se os ex-informadores da PIDE, os saneados, os ex-dirigentes da ANP e da UN, os ex-ministros de Salazar e Caetano.
Vozes: - Não apoiado!
Uma voz: - Desonesto!»
- in Cenas Parlamentares - Humor, agitação e ataques na Constituinte, de Vitor Silva Lopes.


Como refere o Dragão, num retrato perfeito do jacobinismo rompante:

Eles bem viram a casaca, mas a alminha de esbirro, essa, nunca muda. O fervor de meirinho, de beleguim às ordens serve de cabide permanente à casaca variável. A quadrilheirice é vital(ícia). Ontem como hoje, o instinto canino persiste. E porfia.
Registe-se ainda que quando o Avô Cantigas, na sua fase heróica, refere, em tom depreciativo, os "ex-informadores da PIDE", significava com isso apenas os ex-informadores que não eram militantes do PCP antes do dia 25 de Abril, nem correram a alistar-se nesse mesmo partido nos dias seguintes. E foram muitos. Julgo que o que o preocupava, à época, era, tão sòmente, uma minoria residual de não-contritos.


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