sábado, 13 de outubro de 2007

Portugal é um país cristão II


A gesta dos Descobrimentos, a maior de toda a nossa História, de mais de 800 anos, foi celebrada na nossa maior obra literária: os Lusíadas, de Luís de Camões. A obra começa de um modo inequívoco, a cantar as “memórias gloriosas, daqueles que por obras valerosos se vão da lei da morte libertando, como foram as daqueles Reis, que foram dilatando a Fé”.

O Infante D. Henrique, o grande impulsionador das viagens náuticas dos Descobrimentos, foi nessa época nomeado grão-mestre de uma ordem religiosa, a de Cristo, herdeira dos Templários, cujo símbolo de Fé, passou a acompanhar o espírito das viagens, como antes nas Cruzadas.

A monarquia portuguesa, viveu desde sempre e durante os séculos que Portugal tem de existência, como nação independente, sob o símbolo do cristianismo e da religião católica. Essa religião, em Portugal, não é um acrescento espúrio à natureza e tradição do povo, antes significa porventura, a mais genuína característica deste povo, no que respeita ao seu imaginário colectivo e referencial, mesmo cultural.

São séculos de tradição que nem o liberalismo das luzes e o positivismo do séc. XIX vieram ofuscar. A Constituição liberal de 1822, que separou os poderes legislativo, executivo e judicial, mesmo em monarquia, consagrou também a religião católica apostólica romana, como a religião da nação portuguesa, acompanhada de tolerância para as outras religiões, dos estrangeiros.

De onde veio então, o primeiro ataque em forma de alteração por decreto, à natureza tradicional do povo português?

Do republicanismo do final do séc. XIX e particularmente de figuras como Afonso Costa, nascido em 1871 e seguidor de uma outra religião, a do laicismo, no seio da Maçonaria, em cuja loja assumia o nome de Platão.

É de Afonso Costa, a iniciativa legislativa, de 1911, como ministro da Justiça de governo republicano, de separar as Igrejas do Estado e ainda iniciativas concretas de perseguição desvairada aos religiosos dos conventos e seculares, com prisões, expulsões e confisco de bens dos religiosos. Em 1917, com o advento de Sidónio Pais, Costa, acabou preso e exilou-se em Paris, onde morreu em 1937.

Segundo os laicistas republicanos, Afonso Costa, foi um pequeno génio que habitou neste rincão, onde trouxe a luz a este lado do obscurantismo religioso, atávico e secular.

Nunca teria proferido a frase fatal que lhe atribuem de profetizar a eliminação da religião, nos dois tempos de duas gerações.

Inegável, porém é a sua hostilidade activa e actuante contra os religiosos e jesuítas em particular.

Afonso Costa, foi um político radical, com ideias revolucionárias e que lesaram com gravidade, o equilíbrio até então existente, entre a Igreja e o Estado.

Aproveitando a decadência da monarquia como regime, capitalizou, como poucos o descontentamento popular, que conduziu finalmente à implantação da República, em 1910. Afonso Costa é um dos heróis da República.

Em 1895, em Coimbra, onde se licenciou, também se doutorou com uma tese sobre a Questão social e a Igreja, debatendo a encíclica Rerum Novarum em modos hostis e reveladores de uma atitude de vida e política.

Não obstante a sua patente hostilização à Igreja de Cristo, sempre pronunciou publicamente um discurso de contemporização, assegurando a liberdade de culto, enquanto promovia objectivamente a perseguição ao clero e a uma parte dele, como os frades e jesuítas. A ordem de Jesus, mereceu-lhe uma particular ferocidade no ataque público e associou a mesma a práticas mercantis degradantes, pretextando e justificando desse modo, a acção de perseguição, concreta aos seus membros destacados.

A prova desta perseguição religiosa, com paralelo em países do leste, durante as revoluções populares, é que uma boa parte deste clero, fugiu para Espanha ou foi deslocada.

Com a Lei de Separação das Igrejas e do Estado, aprovada contra a vontade dessas Igrejas e sem contemporizações de natureza humana, pelo destino dos seus membros clericais, confessadamente, pretendia moralizar a vida pública, vituperando os maus servidores da Igreja, julgados por ele próprio como tais, e o que chamava de catolicismo decadente, que se opunha à ciência, à civilização e ao progresso, os novos mitos e bezerros a adorar, no altar do laicismo, a nova religião substitutiva.

A Igreja, assumia, neste contexto, o papel reservado aos reaccionários – com uso expresso do termo- de todas as latitudes, nas revoluções, como na Rússia cazrista em seguida à revolução de Outubro de 1917.

Uma das provas que a primeira República, atentou contra este sentimento tradicional, procurando implantar um laicismo gradual e substitutivo da religião, até aí referencial público do Estado enquanto poder, na sua ligação com o povo, é dada pelos mesmos laicistas de sempre: no último referendo sobre o aborto, não se coibiram de proclamar que a vitória do sim no referendo, constituía a maior derrota da Igreja, desde a Primeira República.

É neste contexto que deve ser encarada a atitude pública do Governo, relativamente à Igreja e a conclusão só pode ser uma: O governo republicano de Afonso Costa, se tal fosse permitido socialmente, acabaria com a religião, por decreto, em nome da ciência, do positivismo e do progresso. Tal como Marx, Afonso Costa, considerava a religião, um ópio, uma diversão da razão, uma doença do entendimento correcto. É por isso legítimo, pensar e dizer que Afonso Costa esperava mesmo um desaparecimento do sentimento religioso, com o advento do progresso técnico e da ciência, o que poderia ocorrer um poucos anos. Para esse resultado, tudo fez, dentro do que lhe era permitido e também fora, motivo por que foi mesmo para fora do país, como acontece aos percursores, cuja inteligência fulgurante não lhes permite avaliar as consequências dos actos que praticam.

Após Afonso Costa, o sidonismo e o advento da Revolução de 28 de Maio de 1926, inverteu-se a tendência de perseguição do Estado à Igreja, assumindo esta normalização a forma de Concordata, com o Estado Novo.

Mesmo em 1917, altura das aparições de Fátima, as relações do Estado republicano, laico, com a Igreja Católica, eram mais serenas do que antes, o que não impediu, ainda assim, atitudes de perseguição religiosa aos crentes e a intervenção de autoridades do Estado, com vista à desmontagem do culto nascente e que acabou por se implantar definitivamente, durante o Estado Novo, que de modo algum interferiu hostilmente contra a Igreja e assegurou através de relações de amizade pessoais entre governantes da Igreja e do Estado, um equilíbrio que perdurou durante mais de 40 anos.

Em mais de meio século e na sequências destes acontecimentos históricos, foram educados milhões de portugueses, em escolas públicas, sob o sinal da cruz; foram admitidos milhões de doentes em hospitais, confortados pela Igreja; foram acompanhados militares em missões, por padres; foram estabelecidas regras de financiamente público de actividades indirectamente religiosas etc etc. e foram reestabelecidos vínculos de protocolo existentes entre a Igreja e o Estado, ancestrais e tradicionalmente pacíficos.

A Concordata de 1940, estabeleceu princípios de equilíbrio nas relações entre a Igreja de Roma e o Estado Português. Em 2004, foi modificada, com incidências particulares em matéria cooperação e a definição afirmativa da neutralidade do Estado perante a religião que difere substancialmente da laicidade de uma sociedade, como alguns laicistas teimam em afirmar, assimilando a laicidade do Estado, ao laicismo geral e global que pretendem em todos os sectores da vida social.

Esta tensão, visível nos últimos anos, e comprovada no caso do referendo ao aborto, toma relevo acrescido, sempre que determinadas figuras de partidos que se reivindicam de Esquerda, tomam o poder político, mesmo de influência.

As atitudes repetidas de ataques revanchistas, tomam então um aspecto de ofensiva laicista, que se reflecte em todas as matérias susceptíveis de integrarem os conceitos nebulosos que defendem, em prol da separação da Igreja e do Estado.

Retomam-se então os argumentos jacobinos do tempo de Afonso Costa, sempre com as melhores das intenções democráticas e republicanas e sempre estribadas em interpretações peregrinas das leis vigentes, retorcida quanto baste para lhes modelar argumentos.

Mais uma vez se retomam as ideias de progresso e razão, contra o obscurantismo religioso e o irracionalismo das crenças em deuses e mitos. Mais uma vez, defendem-se ideias peregrinas vindas do século XIX, para atacar as ideias religiosas que sempre existiram e perduram há séculos e séculos e atingem toda a Humanidade, em todas as épocas.

E tudo isso em nome de quê e de quem? Do laicismo progressivo, conformado no ateísmo e no racionalismo puro e que já provou noutros lados, ter consequências contrárias àquelas que supostamente evitaria: a intolerância e o sectarismo.

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